O que faz da Finlândia o país mais feliz do mundo

Homem mergulha em lago de Jyväskylä, na Finlândia | FOTO: Tommaso Fornoni/Unsplash
Homem mergulha em lago de Jyväskylä, na Finlândia | FOTO: Tommaso Fornoni/Unsplash

Confirmando as expectativas, a Finlândia foi apontada novamente como o país mais feliz do mundo na edição 2024 do World Happiness Report. Foi o sétimo ano consecutivo de liderança finlandesa no ranking global, promovido pela Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), em parceria com o Centro de Pesquisas em Bem-Estar de Oxford e a Gallup.

Houve poucas variações no topo em relação a 2023, com os cinco países nórdicos figurando no top 10 mundial. A Suécia galgou duas posições e agora aparece no 4º lugar, atrás da Dinamarca e da Islândia. Já a Noruega permanece em 7ª, e a 10ª posição, que antes pertencia à Nova Zelândia, agora é ocupada pela Austrália.

  1. Finlândia
  2. Dinamarca
  3. Islândia
  4. Suécia
  5. Israel
  6. Holanda
  7. Noruega
  8. Luxemburgo
  9. Suíça
  10. Austrália

O Brasil subiu cinco lugares, e agora ocupa a 44ª posição. As grandes surpresas ficaram por conta do desempenho dos Estados Unidos e da Alemanha, que caíram de 15º e 16º para 23º e 24º neste ano, respectivamente, confirmando uma tendência de perda de protagonismo dos países mais populosos. Dos 20 países mais bem colocados no ranking (clique aqui para conferir a íntegra), apenas o Canadá e o Reino Unido têm mais de 30 milhões de habitantes.

Mas o que explica esse resultado? Se o título de país mais feliz do mundo é motivo de piada entre os finlandeses, as autoridades locais enxergam nele uma oportunidade de ouro para impulsionar a imagem do país no Exterior, com direito a curso com tudo pago para interessados em aprender os segredos da felicidade em Helsinque.

O presidente finlandês, Alexander Stubb, deu o seu palpite sobre quais seriam os três principais motivos para o domínio da Finlândia na pesquisa (não por acaso… Stubb é conhecido pelo hábito de resumir seus planos e explicações numa trinca de itens, o que rendeu a ele a alcunha de “kolme pointtia”, ou “três pontos”): a natureza, a confiança e a educação.

Stubb e seus “kolme pointtia” sobre a liderança finlandesa no ranking da felicidade

Como é feito o ranking dos países mais felizes do mundo?

Antes de analisar se os três pontos de Stubb encontram respaldo no World Happiness Report, é preciso entender exatamente o que a pesquisa mede. Apesar do seu nome e do amplo destaque midiático dado ao ranking da felicidade, o relatório usa a satisfação com a vida como métrica de bem-estar. O ranking em si não está baseado em nenhuma estatística oficial, exceto na média de respostas a uma única pergunta.

Anualmente, a Gallup entrevista cerca de mil pessoas em cada um dos países pesquisados, e a todas elas faz a mesma pergunta usando a Escada de Cantril:

“Por favor, imagine uma escada com degraus numerados de 0, o mais baixo, até 10, no topo. 10 representa a melhor vida possível para você, e 0 representa a pior vida possível para você. Em qual degrau da escada você diria que se sente neste momento?”

A partir daí, é feita uma média das respostas de cada país nos últimos três anos da pesquisa, com a aplicação de pesos para corrigir distorções da amostragem populacional. É com base nessa média que é elaborado o ranking, com um intervalo de confiança de 95%.

O ranking, portanto, é fruto tão somente da avaliação subjetiva que os entrevistados fazem de suas próprias vidas, dentro da escala de 0 a 10. Sozinho, ele não consegue explicar seus resultados, e é precisamente por isso que os autores do relatório se debruçam sobre outros dados nacionais que possam indicar por que os residentes de cada país avaliam suas vidas mais ou menos positivamente.

Os seis principais fatores citados no ranking

A edição de 2024 do World Happiness Report faz uso da mesma metodologia consolidada pela pesquisa ao longo dos últimos anos, com um modelo matemático que identifica seis fatores como os mais determinantes:

  • Renda
  • Suporte social
  • Expectativa de vida saudável
  • Liberdade para tomar decisões
  • Generosidade
  • Percepção de corrupção

Esses seis fatores, de acordo com o relatório, ajudam a explicar mais de três quartos do resultado de cada país. Mas os autores são categóricos em esclarecer que a posição que cada país ocupa no ranking não é determinada por essas estatísticas.

“Nós usamos dados observados nas seis variáveis e estimativas de suas associações com as avaliações de vida para ajudar a explicar a variação dessas avaliações em cada país, da mesma forma que epidemiologistas estimam quanto da expectativa de vida é afetada por fatores como o fumo, exercícios e dieta”, diz o site oficial da pesquisa. Tanto é assim que, fosse o ranking feito com base apenas no desempenho dos países nessas seis variáveis, a Finlândia seria superada por Dinamarca, Suécia, Noruega e até mesmo Singapura, a 30ª colocada.

E como são medidos esses seis fatores explicativos? Alguns deles são baseados em dados externos, como a renda (que leva em consideração o PIB per capita medido pelo Banco Mundial) e a expectativa de vida saudável (por meio de projeções da Organização Mundial da Saúde). Os demais são aferidos a partir das respostas dos entrevistados a outros pontos do questionário da Gallup: se a pessoa se sente satisfeita ou insatisfeita com sua liberdade para decidir o que fazer com sua vida, se ela fez alguma doação no mês anterior à pesquisa, se ela concorda com a afirmação de que a corrupção está disseminada entre o governo e empresas (nesse caso, quanto menor a percepção de corrupção em um país, mais positivo é o efeito sobre a satisfação com a vida de seus residentes).

Já o suporte social não leva em conta a rede de apoio estatal ou os programas sociais de governo, mas sim as conexões sociais dos entrevistados, da família ao círculo de amigos, a partir das respostas à pergunta: “Se você estivesse em apuros, você tem parentes ou amigos com quem pode contar para ajudar você quando necessário?”.

Dos seis fatores, a renda tem o maior impacto na satisfação dos finlandeses com suas vidas, segundo o relatório. O PIB per capita responderia por 23,8% da nota média do país, seguido pelo suporte social (20,3%). A seguir, vem a liberdade para fazer escolhas (11,1%), depois a expectativa de vida saudável (8,9%), a baixa percepção de corrupção (7%) e, por fim, a generosidade (1,8%).

Helsinque, capital da Finlândia, tem transporte público exemplar | FOTO: Tapio Haaja/Unsplash

O combate à desigualdade como chave para a felicidade

Há fatores externos ao modelo matemático, mas que também ajudam a explicar os resultados. O principal deles é a desigualdade, que não é usada como variável no World Happiness Report por não haver dados suficientes em todos os países participantes, o que impede a comparação universal.

Mas um artigo publicado no ano passado pelo professor Danny Dorling, da Universidade de Oxford, no site de notícias acadêmicas The Conversation (e depois reproduzido em português pela BBC News Brasil) aponta para uma forte correlação entre o ranking dos países mais felizes do mundo e o coeficiente Gini, cálculo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que mede a desigualdade de renda. Quanto menos desigual for a distribuição de renda de um país, maiores as chances de despontar no World Happiness Report.

Os autores do ranking da felicidade apontam para entendimentos semelhantes, de maneira indireta. Segundo eles, a tendência é de que as pessoas são mais felizes vivendo em países em que a felicidade é distribuída de maneira menos desigual. “A desigualdade na distribuição da felicidade reflete as desigualdades de acesso a qualquer um dos suportes diretos e indiretos ao bem-estar, incluindo renda, educação, saúde, aceitação social, confiança e a presença de ambientes sociais de apoio a nível familiar, comunitário e nacional”, diz um dos trechos do relatório.

Uma dedução lógica a partir desse raciocínio é de que atuar na redução das desigualdades é uma estratégia eficiente na promoção do bem-estar de uma população. Pois quanto menos desigual for o acesso dessa população aos fatores que impactam no seu bem-estar, menos desigual será a distribuição da felicidade e, consequentemente, mais felizes seus cidadãos tenderão a ser individualmente.

E isso parece fazer bastante sentido no caso da Finlândia. O país tem um índice de desigualdade relativamente baixo dentro do cenário global, com os 10% mais ricos do país concentrando 33% da renda. Comparativamente, nos Estados Unidos, os mesmos 10% mais ricos ficam com 46% da renda. “Essas diferenças podem não parecer muito grandes, mas elas têm um efeito enorme na felicidade geral, porque sobra muito menos para o resto nos países mais desiguais – e os ricos se tornam mais amedrontados. Quando um pequeno número de pessoas se torna muito mais rica, isso é um medo compreensível”, lembra Dorling no seu artigo no The Conversation.

Afinal, por que a Finlândia é o país mais feliz do mundo?

Pode-se discutir se felicidade, bem-estar e satisfação com a vida são conceitos equivalentes, mas o fato é que, por sete edições consecutivas de uma pesquisa global, os residentes da Finlândia se mostraram os mais satisfeitos com a realidade que vivem. Como vimos, os autores da pesquisa se esforçam para compreender as diferenças de avaliação de cada país a partir de seis variáveis, mas essas variáveis não explicam, sozinhas, o resultado final. O que explica, então?

Para isso, podemos voltar aos três pontos elencados pelo presidente finlandês, que, apesar de não encontrarem eco no ranking oficial, podem estar mais próximos do diagnóstico do que se imagina.

1. Natureza

Na Finlândia, o acesso à natureza é garantido a todos, e é possível acampar mesmo em terrenos particulares | FOTO: Hendrik Morkel/Unsplash
Na Finlândia, o acesso à natureza é garantido a todos, e é possível acampar mesmo em terrenos particulares, desde que respeitados os direitos dos proprietários | FOTO: Hendrik Morkel/Unsplash

Estima-se que até três quartos do território finlandês sejam cobertos por florestas, e o World Happiness Report já citou haver evidências científicas do impacto positivo do contato com a natureza no bem-estar humano. Há mais de 40 parques nacionais na Finlândia, e mesmo nas maiores cidades do país é possível encontrar refúgios naturais próximos dos centros urbanos.

O amplo acesso à natureza e a sua valorização como um direito universal é algo intrínseco à cultura finlandesa (e dos países nórdicos, de maneira geral). Conhecido como Jokaisenoikeudet – ou “os direitos de todo cidadão comum” –, o conjunto de regras sociais (embora não codificadas em nenhuma lei específica) estabelece que todas as pessoas na Finlândia têm o direito de usufruir de áreas naturais, mesmo daquelas inseridas em propriedades particulares. Desde que sem causar estragos e sem desrespeitar os direitos individuais dos proprietários (notadamente o direito à privacidade), é possível atravessar, coletar frutos, pescar, acampar ou até mesmo pernoitar na natureza em um terreno particular.

Atividades ao ar livre estão entre os passatempos mais populares dos finlandeses. Uma pesquisa realizada em 2018 entrevistou residentes na Finlândia para entender o que a população mais gostava de fazer com seu tempo livre. No topo da lista aparece a leitura, com 56%, seguida de perto por caminhar (49%) e exercitar-se na natureza (48%). Viajar pela Finlândia (31%), passar o tempo nas casas de verão (28%) e jardinagem (24%) também aparecem entre as 10 atividades mais populares.

2. Confiança

O segundo ponto elencado por Stubb é a confiança. Ainda que ausente no modelo matemático proposto pelos autores do ranking dos países mais felizes do mundo, a confiança tem um peso significativo em pelo menos três das variáveis.

A relação mais óbvia da confiança se dá com a corrupção: quanto menor for a percepção de corrupção do governo e de empresas por parte da população, maior será a confiança da população nessas instituições.

Mas a confiança também se reflete no suporte social: uma sociedade em que as pessoas confiam mais umas nas outras tende a fortalecer a rede de apoio entre seus cidadãos, o que amplia a sensação de segurança a despeito das incertezas quanto ao futuro. Na Finlândia, isso se reflete em uma sociedade com forte engajamento comunitário. Em 2017, uma pesquisa apontou que 54% da população finlandesa com mais de 10 anos havia participado das atividades de uma associação, e mais de 24% das pessoas acima de 15 anos havia assinado uma iniciativa popular ou petição ao longo dos 12 meses anteriores.

Por fim, também há um impacto na generosidade: se as pessoas confiam mais umas nas outras, há maior disposição para que adotem posturas generosas, pois não há o receio de que alguém esteja se aproveitando de sua boa vontade. A mesma pesquisa conduzida em 2017 na Finlândia apontou que um em cada três finlandeses com mais de 15 anos havia feito trabalho voluntário ao longo dos 12 meses anteriores.

Praia de Brinkhall, uma das preciosidades do arquipélago de Turku | FOTO: Marcelo Miranda Becker

3. Educação

O terceiro e último ponto citado pelo presidente finlandês é a educação. Apesar de uma piora considerável na última edição do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), a Finlândia ostenta índices de qualidade de ensino acima da média dos países da OCDE.

Na Finlândia, a educação é elencada como prioridade desde a independência do país, com a Constituição de 1919 estabelecendo a educação básica obrigatória e gratuita para todos. Mesmo os materiais educacionais básicos são gratuitos para as crianças, e os serviços incluem uma refeição quente todos os dias, assistência à saúde na escola e transporte.

Tão importante quanto a universalidade da educação é a forma como ela é estruturada na sala de aula. Na Finlândia, há um princípio de se garantir a igualdade de oportunidades de aprendizagem independentemente da classe social do aluno. As crianças são acompanhadas por um único professor ao longo de vários anos, e são estimuladas a chamá-lo pelo primeiro nome, sem uma relação explícita de hierarquia. Os professores, por sua vez, têm liberdade para escolher métodos e materiais usados nas disciplinas, o que colabora para a manutenção de um ambiente agradável e estimulante para o aprendizado e o exercício da criatividade (como você pode conferir no vídeo abaixo, de um documentário da BBC).

@bbc_scotland

“It’s not a competition.” Darren learns how Finnish schooling differs from Britain. Darren McGarvey: The State We’re In is on #BBCiPlayer now #DarrenMcGarvey #Loki #TheStateWereIn #Schooling #Finland #SchoolSystem

♬ original sound – BBC Scotland – BBC Scotland

Em vez de focar na competição entre estudantes, como o exemplo de países que usam o resultado de testes padronizados para elaborar rankings de turmas e escolas, há uma preocupação em respeitar as necessidades específicas de cada criança. Desde cedo elas aprendem a exercitar o pensamento crítico, e o currículo educacional prevê lições de fluência em notícias em diferentes estágios da formação dos alunos, fazendo da Finlândia um case de sucesso no combate à desinformação.

O estímulo à criatividade se faz presente também no Ensino Superior, e a Finlândia foi apontada no mais recente Índice de Inovação Global (GII) como o sexto país mais inovador do mundo. A interface entre universidades, empresas e institutos de pesquisa é bem estabelecida, o que faz do país um ambiente emergente para novos negócios e a criação de startups.

Cortada pelo Rio Aura, a cidade de Turku é um importante centro de inovação na Finlândia | FOTO: Marcelo Miranda Becker
Cortada pelo Rio Aura, a cidade de Turku é um importante centro de inovação na Finlândia | FOTO: Marcelo Miranda Becker

Outros destaques

A verdade é que Alexander Stubb poderia elencar outras tantas trincas de motivos para os bons índices de bem-estar na Finlândia. Poderia falar da segurança de viver num país com baixos índices de criminalidade, o sexto melhor em igualdade de gênero e um bom equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, acima da média dos países da OCDE. Ou, ainda, de uma das democracias mais sólidas do mundo, com serviços públicos eficientes e universalizados, o que garante uma estabilidade institucional e segurança para a tomada de decisões de vida a longo prazo.

Talvez a forma mais simples de resumir a receita de sucesso finlandesa seja a combinação de um Estado que respeita as liberdades individuais de seus cidadãos ao mesmo tempo que não se furta de cumprir o seu papel na garantia de que todos tenham as mesmas condições de exercê-las, agindo ativamente na redução das desigualdades e no fomento ao bem-estar coletivo.

E para você? Quais seriam os seus “kolme pointtia” da felicidade? Conta para nós aqui nos comentários. Aliás, fica também o convite para seguir O que a Finlândia tem no Instagram e no Facebook para continuar essa conversa por lá.


Leave a comment